Textos, fotos e vídeos de Cefas Siqueira
Chegar ao Sri Lanka foi como voltar à infância, quando lia nos livros emprestados sobre um lugar distante chamado Ceilão. Distante e impensável naquela época. Me lembro bem que a coleção se chamava "O Mundo Pitoresco" e trazia informações sobre os costumes do povo e desenhos das vestimentas tradicionais, dos animais e de plantas curiosas.
Muita coisa mudou de lá para cá, mas muita coisa permaneceu igual.
O País é uma ilha não muito grande ao sul da Índia, e já foi cobiçado por muita gente. Os últimos usurpadores foram os ingleses, que permaneceram aqui como colonizadores até 1947, o ano da independência. Antes deles portugueses, alemães e indianos também já tinham tentado se impor aos nativos.
A vegetação é exuberante em todo o país e, no princípio, tudo era coberto por florestas que eles aqui separam em duas: a selva e a floresta comum. É impressionante como eles conseguem conviver com a floresta. Em alguns locais as casas são construídas em meio às árvores o que as protege do calor nas regiões mais quentes.
Tão pequena e tão diversa em relevo é a ilha, que em poucos quilômetros se pode chegar a montanhas elevadas, a mais alta com 2.900m acima do nível do mar, onde se cultiva intensamente o que eles denominam de "o melhor chá do mundo". A temperatura nesta região é úmida e fria e foi o local preferencialmente escolhido pelos ingleses para implantar seu modo de vida.
Mulheres em dia de cerimônia Hindu |
A cultura é uma mistura das culturas indiana, inglesa e singalesa. Tem de tudo. Para terem uma ideia da diversidade cultural, o esporte nacional é o chatíssimo críquete, que os ingleses trouxeram.
Mas vamos por partes, Jackie.
Cheguei ao Sri Lanka por Colombo, a capital. É uma cidade de tamanho médio e tem no seu porto uma das principais riquezas da economia. Este porto foi a causa das disputas e tentativas estrangeiras de dominar a terra. E é um importante ponto de parada e reabastecimento das frotas de navios que transitam entre a Ásia e o ocidente.
Percebi na arquitetura uma tendência ainda não muito agressiva de modernização. Com poucos prédios altos e de aparência mais moderna, mas com alguns exemplares do período de colônia inglesa, a cidade ainda é basicamente horizontal.
Região Central da cidade de Colombo - Sri Lanka |
Estive hospedado duas vezes lá, uma vez num hotel de praia e outra vez num hotel de rede mundial. O hotel da praia parecia muito com uma pousada qualquer numa praia brasileira.
As construções do interior do país lembram muito as construções do interior do Brasil.
Pela primeira vez nestas minhas viagens exóticas fui convidado para ir a uma casa comum. Meu motorista me chamou para almoçar em sua casa e conhecer sua família. Eles moram perto da capital e passaríamos por lá de qualquer maneira. Na saída de Colombo passamos pela feira de peixes e Cuma, o motorista, me perguntou do que eu mais gostava ali. Muitos prawns, asas de arraia, tubarões, atuns, caranguejos e lulas. Disse a ele que daquilo tudo gostava mais de lula.
Produtos marinho no mercado de peixes de Colombo |
Quando chegamos na casa dele a mulher já nos esperava com a comida pronta e a lula foi feita na hora. A comida foi servida só para mim, eles não comeram junto. Tava muito gostosa, mas a pimenta aqui é foda! Até o abacaxi da sobremesa ardia. Comi com as mãos, à moda deles. Aliás repeti isso muitas outras vezes.
Obrigado Cuma!
Pra falar de comida diferente, vou falar só que eles comem jaca verde cozida com molho picante, muito sem graça. Não vou dizer que parece chuchu, porque de chuchu eu gosto. Tem chuchu aqui também, e comi.
A cerveja aqui também é cara, nunca inferior a R$ 10. Nunca mais vou reclamar do preço da cerveja brasileira, e, da próxima vez que viajar, levo um carregamento junto. A cerveja mais comum chama-se Lion, e é uma lager de respeito.
Estive num orfanato de elefantes chamado Pinnawala, onde eles cuidam de elefantes abandonados. São cerca de 80 animais, na maioria filhotes. Chegamos no orfanato bem na hora em que os elefantes eram levados para o banho de rio. Tudo programado pela instituição para alegria dos turistas. Interessante.
Ainda existem elefantes e outros animais selvagens aqui. São muitos os parques e reservas de proteção natural espalhados pela ilha.
Estive numa impressionante fortaleza construída nas alturas chamada Lion Rock. Uma obra prima de construção e transporte de água para cima da montanha, com afrescos belíssimos pintados numa caverna. Construído pelo rei do período, a obra data do século V (A.D.). Lá fui eu subir 1.202 degraus pra chegar nas alturas, mas valeu a pena. Meu guia era um velhinho chato de 62 anos, que subiu junto. Parecia com um amigo meu. No alto da montanha estão as ruínas do que foi uma fortaleza onde o rei passava parte do ano (6 meses segundo o guia) rodeado por suas concubinas. Mais um patrimônio cultural da humanidade (Unesco-1985). A cidade mais próxima chama-se Sigiriya, onde fiquei hospedado.
Outro local espetacular, e lá fui eu escada acima, foi o Golden Rock Temple, próximo à cidade de Matale.
Construído no Século I A.C., o templo foi construído em cavernas com afrescos espetaculares pintados nos tetos, e contam a mitologia relacionada ao Budhismo e as histórias das vidas anteriores de Budha.
Kandy foi a cidade mais bonita que visitei. Limpa e arejada, a cidade destoa do restante do país pela beleza dos prédios e a urbanidade dos habitantes. Ali fui a um outro templo budista chamado Templo da Relíquia, referência a uma estupa em ouro guardada em seu interior.
Centro de Kandy |
Em Kandy fui a um espetáculo de dança tradicional baseada nos sons de diferentes tambores e em cânticos de agradecimento pelas colheitas. Pensem num espetáculo primitivo e tosco, num teatro pobre e com poucos recursos, mas que sobrevive às dificuldades com garra. Às vezes o espetáculo me lembrou macumba, outras vezes carnaval, carimbó e outras coisas brasileiras. Esforçados, os bailarinos, bailarinas e músicos se esmeram em piruetas, cânticos, engolimento de fogo e...
...De repente a magia é quebrada pelo aparecimento de um pato que atravessa todo o teatro bem diante do palco, com seu rebolado e falta de pressa típicos.
Passado o pato presenciei a segunda mais bizarra cena de toda esta viagem.
Ao fim dos espetáculo os artistas se despedem, pedem aplausos, a plateia se prepara para deixar o teatro e, de repente, entram em cena dois ajudantes carregando uma placa de metal de uns 2 metros de comprimento por 50cm de largura cheia de brasas e fogo! Colocam no chão, jogam mais álcool nas brasas, o fogo é atiçado e 2 dos bailarinos caminham DESCALÇOS sobre as brasas. Incrível! A plateia fica entre embasbacada e horrorizada.
Em Kandy fui ao barbeiro só para receber a massagem na cabeça. Sempre falei pra vocês sobre esta prática, mas nunca pude mostrar. Desta vez gravei pra vocês verem.
Saindo de Kandy fui levado para um daqueles "esfola turistas" que rola nestas viagens. Foi numa fazenda de ervas e especiarias chamada Old Village Spice and Herbal Garden, não esqueçam este nome caso queiram ir lá algum dia. A visita começa com explicações sobre as especiarias e o uso medicinal que se pode dar a elas e sobre seus poderes milagrosos. Aos poucos você vai percebendo que caiu numa cilada. E o clima só vai piorando.
Eu, cada vez mais irritado com o palavrório do explicador, não via a hora daquilo terminar. Recebi uma massagem "gratuita" que não solicitei, mas depois tive que dar uma gorjeta ao massagista. Pensam que acabou? Não! O explicador continuava propagandeando as qualidades milagrosas das especiarias e pumba! Lá estava eu dentro da lojinha, com a pressão intensa do sujeito para que eu comprasse alguma coisa. O constrangimento foi tanto que cedi e comprei um óleo, que nem sei se vou usar, por uma pequena fortuna. Quando o cara me disse o preço quase voei no pescoço dele. Fela da égua! Ainda saiu me pedindo uma gorjeta pelo explicatório. Mandei ele se fuder no meu afiado e excelente portuglish.
Eu, cada vez mais irritado com o palavrório do explicador, não via a hora daquilo terminar. Recebi uma massagem "gratuita" que não solicitei, mas depois tive que dar uma gorjeta ao massagista. Pensam que acabou? Não! O explicador continuava propagandeando as qualidades milagrosas das especiarias e pumba! Lá estava eu dentro da lojinha, com a pressão intensa do sujeito para que eu comprasse alguma coisa. O constrangimento foi tanto que cedi e comprei um óleo, que nem sei se vou usar, por uma pequena fortuna. Quando o cara me disse o preço quase voei no pescoço dele. Fela da égua! Ainda saiu me pedindo uma gorjeta pelo explicatório. Mandei ele se fuder no meu afiado e excelente portuglish.
Além dessa roubada quase fui metido em outra. Depois de termos passado por 2 ou 3 grandes cachoeiras na subida da região montanhosa chegamos à cidade de Nuwara Eliya, cujo maior atrativo é se parecer com uma velha cidade inglesa.
No geral os hotéis onde me hospedaram durante esta parte da viagem foram muito bons, até chegarmos ao hotel Seven Heaven nesta cidade. Só passei da porta para ter certeza de que não ficaria ali.
O hotel estava em reforma, imundo e, tenho certeza, ninguém estava hospedado naquele lugar. Disse que não ficaria lá e que a agência se virasse para arranjar outro. Depois visitar 3 hotéis resolvi aceitar a hospedagem num clube inglês, que também é hotel, chamado Hill Club.
O hotel estava em reforma, imundo e, tenho certeza, ninguém estava hospedado naquele lugar. Disse que não ficaria lá e que a agência se virasse para arranjar outro. Depois visitar 3 hotéis resolvi aceitar a hospedagem num clube inglês, que também é hotel, chamado Hill Club.
Pensem numa coisa antiquada e decadente, tipicamente inglesa. Era assim o hotel. O hotel/clube é uma sociedade inglesa de golfe. São 2 ambientes para tudo: um formal e um casual (para pessoas comuns). No restaurante formal, por exemplo, você só pode entrar de terno e gravata. Me perguntaram se eu queira um costume emprestado para o jantar.
Tudo decadente e velhíssimo e cheio de histórias, fedendo a mofo. Lugares especiais tem plaquinhas contando a sua história, como nas casas londrinas que foram habitadas por personalidades. O quarto em que fiquei tinha uma placa na porta contando que ali, em mil e novecentos e tarará, a esposa de um sócio deu à luz inesperadamente a uma menina, enquanto estavam hospedados.
Hill Club - Nuwara Eliya |
Muito, muito frio o lugar. Quando voltei ao quarto para dormir minha cama estava com o edredom arrumado. Fui tirar a roupa que tinha deixado sobre a cama e me surpreendi com uma bolsa de água quente estrategicamente colocada sob o edredom. Luxo e decadência. No café da manhã fui servido por um maître de luvas e tudo. Comprei uma caneca de cerveja em porcelana para me lembrar dessa história. Há males que vem pra bem mesmo!
Por fim vou falar da coisa mais impressionante que vi nesta viagem toda.
Em pleno Século XXI, mundo globalizado, selfies da roça à metrópole, celulares garantindo a conexão instantânea, a música eletrônica bombando, chatice generalizada, o bizarro cultural e religioso ainda persiste. No caminho para Kandy, numa rodovia movimentada, de repente o inusitado aparece na minha frente. Tratores enfeitados com flores e fitas coloridas, gente vestida para festa, mulheres com flores nos cabelos, homens com as melhores roupas, música executada por uma banda com instrumentos típicos, jovens agarrados ao celular, carros parados de qualquer jeito e o choque cultural se materializou para mim: rapazes suspensos por cordames amarrados em anzóis enfiados em seus corpos. Espetáculo inesquecível. Senti todas as dores por eles, mas não deixei de registrar o que vi, na memória e em fotografias. Além dos que já estavam dependurados, outros aguardavam sua vez, já com os anzóis enfiados em seus corpos.
A quantidade de anzóis variava de um para outro.
Não satisfeitos em estar pendurados, alguns se balançavam para demonstrar ainda mais coragem e fé. Mas que devia doer, devia. Antes de ser pendurado o jovem entrava em meditação profunda para aguentar o peso inicial no momento da dependura. Vi ocidentais desmaiando diante da cena, enquanto as famílias encaravam aquilo tudo com uma naturalidade desconcertante e encorajavam seus meninos que participavam do ritual. Nem meu motorista quis olhar. Encarei sozinho.
Hindu of Wheels |
Este ritual é uma demonstração de coragem e fé nos deuses hindus e é chamado de Hindu Of Wheels, porque acontece durante a peregrinação pela estrada até o templo. Não encontrei informações sobre isso na internet, mas conversei com algumas pessoas que me disseram tratar-se de cerimônia comum nos interiores daqui.
Agora tenho comigo mais marcas para carregar pelo resto de meus tempos.
Fotos e vídeos só quando eu voltar pra casa. Paciência!
Muito legal suas viagens e seus Contos, que por sinal eu morro de rir kkkkk
ResponderExcluirIgor Moreira